Vida

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"Nossa capacidade de amar é limitada, e o amor infinito; este é o drama. Carlos Drummond de Andrade"

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"ESTUPRO DE VULNERÁVEL"


Já faz muito tempo que não posto algo relacionado ao âmbito jurídico no Pense Direito, e para não perder o costume quero hoje falar sobre um assunto que tem causado grandes polêmicas e tem sido objeto de grandes discussões entre os juristas do Brasil. Falarei hoje sobre a Lei 12.015/09, que altera a redação de alguns crimes sexuais previstos no Código Penal. Esta Lei trata em especial, o crime de Estupro de Vulnerável, que passa a ser tipificado no artigo 217-A do Código Penal. A redação do novo artigo pune com prisão de oito a 15 anos quem mantiver qualquer tipo de relação sexual com menor de 14 anos. O estupro de vulnerável é definido da seguinte forma: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. A pena cominada é reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos. O § 1° estabelece: “Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência."
Com a citada lei que alterou o título VI do Código Penal denominando-o agora “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual” assim encontra-se redigido o novo artigo do CP:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º (vetado)
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O bem jurídico protegido é a própria pessoa vítima da ação incriminada, o menor e o incapaz de discernir ou de resistir, que, por não deter a capacidade de exercer livremente a sua sexualidade, merece especial proteção do Direito Penal. É o chamado pela lei de vulnerável. Do mesmo modo, haverá crime mesmo quando o menor de 14 anos que esteja namorando, com o consentimento dos seus pais, praticar atos libidinosos, ainda que não a conjunção carnal, coito anal ou sexo oral, mas outros atos com nítido conteúdo libidinoso, como carícias, por exemplo. Conquanto a mesma Lei n° 12.015, de 7.08.2009, ao dar nova redação ao artigo 225, tenha estabelecido que a ação penal por crime contra vulnerável seja pública incondicionada, nem mesmo os pais poderiam permitir que seus filhos menores de 14 anos namorassem e beijassem a boca do namorado ou da namorada. Um versus, sem dúvida.
É evidente que nenhuma lei pode impedir alguém com capacidade plena, de exercer livremente a sua sexualidade. O que a lei deve é proteger o menor que não esteja apto a exercer a sexualidade livremente.
Por essa razão, é preciso interpretar a norma do caput do art. 217-A em harmonia com a norma contida no seu § 1° e daí extrair o conceito de vulnerável.

A vulnerabilidade está contida nas exigências de “discernimento para a prática de ato libidinoso” e “possibilidade de resistir”, ou seja, só é vulnerável, e por isso, alcançado pela proteção da norma, a pessoa que não tem discernimento ou não pode resistir, isto é, quem não pode ter vontade livre. Quem não sabe discernir, isto é, quem não tem capacidade de entendimento e não pode escolher entre fazer ou não fazer. E quem, mesmo tendo capacidade de entendimento, não pode, por qualquer razão, resistir e não tem liberdade de agir. Por isso está na situação de vulnerabilidade.
Desta forma, somente seria protegido pela Lei 12.015 aqueles menores de 14 anos que não tivessem discernimento suficiente para exercer uma vida sexual, ou seja, mesmo com a autorização dos pais, o discernimento necessário, o consentimento, contudo, a partir da alteração da Lei nº 12.015/2009, a discussão parece ter perdido o sentido, uma vez que a lei é clara: é crime ter conjunção carnal ou manter outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Não se cogita mais de presunção de violência, aliás, sequer se cogita de violência ou grave ameaça. O crime ocorre qualquer que seja o meio de execução e ainda que haja consentimento da vítima. A lei presume, iuris et de iure, que pessoas menores de 14 anos não têm discernimento para a prática de atos sexuais e pune – muito severamente, como veremos – todo aquele que concorra para a prática do ato.
A despeito de tornar descabido o questionamento sobre a presunção de violência, por ter eliminado com essa figura, a nova lei ainda deixa espaço para a possibilidade de configuração do erro de tipo, muito comum nessas hipóteses. Assim, ainda persiste a possibilidade de o agente comprovar que, em razão de erro sobre as circunstâncias do fato (por exemplo, a vítima tinha desenvolvimento físico superior ao comum, ou apresentou documento falso ocultando a verdadeira idade), presumiu não estar cometendo crime (por acreditar, por exemplo, que em razão desse desenvolvimento, a vítima tinha mais de 14 anos).
O que mais me chama atenção nesse assunto, foi à severidade pela qual o legislador estabeleceu as penas cominadas no cometimento do crime de Estupro de Vulnerável. O art. 217-A do Código Penal traz em si uma sanção rigorosa, que começa em oito e vai até quinze anos de reclusão. Com isso, estabelece-se para o crime de “estupro de vulnerável” sanção mais grave que as cominadas ao estupro “comum” do art. 213 e a outros delitos graves como homicídio simples e roubo, sendo também idêntica ao do crime de extorsão mediante seqüestro. Errou o legislador a culminar uma pena tão elevada a esta conduta. Não se pode desprezar que, na atual realidade social, não são raros os casos em que menores de 14 anos possuem vida sexual ativa e praticam, com normalidade, atos sexuais de forma consentida. Nessas situações, ainda que reprovável a conduta daquele que adere à vontade da menor e com ela pratica ato sexual, não se mostra proporcional a aplicação de sanção tão gravosa. Interessante notar, ainda, como o legislador é incoerente. Por um lado, pune severamente quem, mesmo de forma consentida, pratique relações sexuais com menor de 14 anos. Por outro, permite que adolescentes de 16 anos se casem e sejam mães de família. Parte-se de um extremo a outro: da proibição absoluta à liberdade total.
Não obstante a todas as lacunas que em minha opinião a Lei 12.015 trouxe em seu corpo, acredito que a sua aplicabilidade tem um efeito de inibir os crimes cometidos contra a dignidade sexual da criança, e a mesma trará também uma maior punição no que tange a PEDOFILIA, já que muitos atos dos pedófilos podem facilmente serem enquadrados no novo ordenamento.

Fontes Inspiradoras:
Dr. Ney Moura Teles
             Dr. Fábio Tofic Simantob
             Dr. Agnaldo Rogério Pires
 Texto e Fundamentação: Uêndel Alves dos Santos.

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